Como sabemos, a grande crise causada pelo coronavirus trouxe repercussões para todas as áreas do direito, desde o direito criminal no tocante a liberdade de presos que estão nos grupos de risco da doença à contratos não respeitados no direito do consumidor ante a impossibilidade de seu cumprimento.
E no direito das famílias não poderia ser diferente, tendo reflexos tanto no planejamento patrimonial feito pelas pessoas que estão no grupo de risco, a pais e mães que tiveram sua vida dificultada na hora de visitar seus filhos cujo o outro cônjuge ou companheiro detém a guarda.
Mas, no direito das famílias, os reflexos não param por aí.
Casais de namorados passaram a ter a preocupação de serem enquadrados como companheiros vivendo em uma união estável, devido a aproximação causada pela quarentena vivida pela população mundial.
Explico.
Quando um casal passa a viver em uma união estável, surge uma série de efeitos pessoais, sociais e, principalmente, patrimoniais.
Já o namoro não tem qualquer efeito jurídico para o casal, ou seja, sem qualquer desses deveres inerentes a união estável.
No caso dos efeitos patrimoniais da união estável, ocorre por meio, como regra que admite exceções, da comunhão parcial de bens, regime este que partilha todos os bens adquiridos onerosamente durante a constância do relacionamento, o que gera preocupação, principalmente, para aquele que tem melhores condições financeiras.
Mas antes, é importante definirmos o que é uma união estável.
A união estável é uma entidade familiar equiparada ao casamento, previsto na Constituição Brasileira, em seu artigo 226, parágrafo 3º.
Já os requisitos para a sua configuração estão previstos no art. 1.726 do Código Civil Brasileiro, quais sejam a convivência pública, continua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família.
Como se percebe, parte dos requisitos são de fácil percepção, como a convivência pública, continua e duradoura. O problema surge quando passamos a discutir se o casal tem ou não objetivo de constituir família, requisito esse extremamente subjetivo e de difícil aferição.
Sabendo o que é a união estável, fica mais fácil visualizar o problema em debate.
Digamos que em razão da atual pandemia, com restrição de locomoção somada com a crise que muitas pessoas vivem pela perda de seus empregos ou mesmo pela diminuição de seus rendimentos mensais, um casal de namorados passe a viver sobre o mesmo teto com o objetivo de unir esforços para se manterem nesses tempos difíceis, ou mesmo pela pura conveniência para o relacionamento.
Esse casal passa, aos olhos da sociedade, a viver como companheiros, em uma relação que vai além do simples namoro, pois em que pese o dinamismo dos relacionamentos atuais, muitos ainda enxergam a convivência sob o mesmo teto como uma união estável daquelas pessoas, com o objetivo de constituir uma família.
Ocorre que nem sempre essa é a intenção, sendo que o casal de namorados possa ter optado por morar juntos simplesmente pra ficarem mais próximos um do outro.
O problema é que muitos namoros duram anos, as vezes décadas, e nesse tempo, é muito comum que um ou ambos os companheiros adquiram bens, como imóveis, veículos, carteiras de investimentos, entre outros.
E como dito acima, a regra na união estável é que todos os bens adquiridos onerosamente durante o relacionamento, com o sem comunhão de esforços, passará a integrar o patrimônio do outro.
E aí que mora o perigo. Um casal que passa a morar juntos apenas como namorados, corre o risco de ver todo o seu patrimônio misturado ao do seu companheiro, podendo vir a perder 50% de tudo que adquiriram durante esse período caso o outro haja de má-fé após o fim do relacionamento e venha a pedir a partilha desses bens.
E diante dessas situações que surgiu o famoso “namoro qualificado”, pois as relações modernas estão cada vez mais intimas, dinâmicas, em que os namorados muitas vezes coabitam, frequentam a casa um do outro, viajam juntos, vão a eventos um do outro, enfim, demonstram para o meio social que há um relacionamento amoroso entre eles.
Em razão dessas peculiaridades, esse namoro passa a ser extremamente parecido com uma união estável, preenchendo todos os requisitos objetivos previstos no artigo 1.723 do Código Civil. Falta, portanto, o requisito essencial, que é a intenção de formar uma família.
Ou seja, ainda que o relacionamento seja público, contínuo e duradouro, os namorados não desejam, ou ainda não desejam, constituir uma família.
Jose Fernando Simão nos ensina, didaticamente, a diferença entre os institutos: “se há um projeto futuro de constituição de família, estamos diante de namoro; se há uma família já constituída, com ou sem filhos, há uma união estável”.
Portanto, se os namorados desejam morar juntos, seja por dificuldades financeiras ou mesmo pela pura conveniência, é importante saber as possíveis consequências dessa união, devendo sempre deixar claro seus objetivos não só para seu parceiro, mas para todos a sua volta, para não haver risco de confusão patrimonial entre os bens de ambos.
Por fim, importante lembrar que essas situações são contornáveis mediante um bom planejamento patrimonial, tema este que deixaremos para um outro artigo devido sua complexidade e extensão.
Raphael Nazari
Sócio fundador do Aranda & Nazari Advocacia Familiar e Sucessória
Dúvida e sugestões: atendimento@arandaenazari.com
ATENÇÃO: Essa publicação tem finalidade informativa e não substitui uma consulta com um profissional especializado.